Uso de cosméticos em crianças pode desregular hormônios e provocar puberdade precoce

Estudo da Universidade de Passo Fundo aponta efeitos no desenvolvimento infantil e interferência na função hormonal

Uso de cosméticos em crianças pode desregular hormônios e provocar puberdade precoce
Uso de cosméticos em crianças pode desregular hormônios e provocar puberdade precoce (Foto: Reprodução)

Você sabia que produtos de uso cotidiano, como shampoos, cremes, maquiagens e perfumes, podem alterar os hormônios de uma criança? Um estudo realizado na Universidade de Passo Fundo (UPF) chama atenção para os efeitos da exposição precoce a cosméticos, um fenômeno impulsionado pela popularização de rotinas de beleza infantil nas redes sociais. A pesquisa aponta que o contato com essas substâncias pode desencadear desregulações hormonais e até puberdade precoce.

A pele infantil é mais fina e apresenta uma maior proporção entre superfície e massa corporal, o que intensifica a absorção de substâncias químicas. Além disso, fígado e rins ainda estão em processo de maturação, o que reduz a capacidade de eliminar toxinas.

O sistema endócrino, responsável por regular a puberdade e o desenvolvimento neurológico, também não está completamente formado, o que facilita a ação de compostos que imitam ou bloqueiam hormônios naturais, como ftalatos, bisfenol A (BPA) e parabenos, que interferem na função hormonal, conhecidos como disruptores endócrinos.

Ana Júlia Schiavon Zanin, estudante de Medicina da UPF e responsável pelo estudo, alerta que a exposição de crianças a esses componentes presentes em cosméticos pode comprometer a maturação puberal, a função tireoidiana e o metabolismo, elevando os riscos à saúde. “Os pais devem evitar que seus filhos utilizem produtos com parabenos, ftalatos e bisfenol A, e os órgãos reguladores precisam exigir rótulos claros indicando a presença desses químicos, para que a população possa fazer escolhas mais seguras”, adverte.

Ana Júlia destaca ainda que médicos e profissionais de saúde devem estar atentos a esses riscos e instruir as famílias sobre a escolha de produtos mais seguros, apesar das lacunas de conhecimento e dos desafios regulatórios. “A pesquisa contínua é fundamental para identificar essas substâncias e seus mecanismos, bem como desenvolver estratégias de prevenção mais eficazes”, afirma.

O estudo foi realizado a partir de uma revisão bibliográfica em bases de dados como Pubmed, SciELO e UpToDate. Conforme Andressa Van Riedel, professora da Faculdade de Medicina da UPF e orientadora de Ana Júlia, a pesquisa está sendo aprofundada para divulgação na literatura médica.

Componentes que interferem na função hormonal

Bisfenol A (BPA): encontrado em embalagens plásticas, antigas mamadeiras e revestimentos internos de lata, que podem migrar desses materiais para alimentos, especialmente quando há aquecimento (como ao usar potes plásticos no micro-ondas). Assim, a principal via de exposição é a oral. No entanto, também pode ocorrer absorção pela pele, especialmente quando o BPA está presente em cosméticos, afetando a regulação hormonal.

Ftalatos: comuns em fragrâncias e plásticos, estão relacionados a alterações na testosterona e outros hormônios masculinos. Reduzem a produção de andrógenos nos testículos e, em alguns tecidos, podem agir como agonistas ou antagonistas de receptores estrogênicos. Isso significa que podem tanto bloquear quanto imitar hormônios sexuais, dependendo do contexto. Em meninos, a exposição pode estar associada a atraso puberal ou diminuição da distância anogenital (um marcador de interferência hormonal). Em meninas, pode causar puberdade precoce, antecipando o desenvolvimento das mamas. Ainda interferem na função da tireoide, alterando os níveis dos hormônios T3, T4 e TSH, o que pode impactar o crescimento e o desenvolvimento neurológico. A exposição crônica está ligada ao aumento do risco cardiometabólico, como obesidade, resistência à insulina, dislipidemia e hipertensão, devido à desregulação hormonal e ao aumento da inflamação sistêmica.

Parabenos: conservantes amplamente usados, com ação semelhante ao estrogênio. Também interferem na função da tireoide, ao competir com os hormônios T3 e T4 pelas proteínas transportadoras e receptores, o que prejudica o crescimento, o metabolismo e o desenvolvimento cerebral. No tecido adiposo, estimulam a formação de novas células de gordura e contribui para resistência à insulina, aumentando o risco de obesidade e diabetes tipo 2. Em meninas, essa ação estrogênica pode causar telarca precoce, ou seja, o aparecimento antecipado das mamas.


Comentários (0)

Fale Conosco